Mulheres que correm com os lobos - Capítulo 3

 


Capítulo 3: Farejando os fatos: o resgate da intuição como iniciação

"A intuição é o tesouro da psique da mulher. Ela é como um instrumento de adivinhação, como um cristal através do qual se pode ver com uma visão interior excepcional. Ela é como uma velha sábia que está sempre com você, que lhe diz exatamente qual é o problema, que lhe diz exatamente se você deve virar à esquerda ou à direita. Ela é uma forma de velha La Que Sabé, Daquela Que Sabe, da Mulher Selvagem."

Para o capítulo 3 Clarissa contou com um conto russo chamado "Vasalisa", que é a história da iniciação de uma mulher. Ela nos convida, mais uma vez, a olhar para além do que parece ser e reforça a necessidade de, como mulheres, usarmos a nossa intuição para farejarmos tudo e, como ela diz na página 91, "para ter uma compreensão íntima dos ciclos de vida-morte-vida de toda a natureza".

O conto de Vasalisa começa como um conto de fadas, mas termina nos trazendo de volta à realidade. Mas o mais importante é que "Vasalisa é uma história da transmissão da bênção do poder da intuição das mulheres de mãe para filha, de uma geração para outra". No entanto, o que mais esse conto faz é nos alertar sobre esse poder, muitas vezes, ignorado pelas mulheres. Mas Jung no alerta: nada se perde na psique. Um vez que isso está no "inconsciente coletivo" ele pode ser restaurado.

Com o conto podemos observar 9 regras para a iniciação:

1ª tarefa: Permitir a morte da mãe-boa-demais
"À medida que a mãe-boa-demais morre a nova mulher nasce".
Quando a mulher abandona a mãe-boa-demais ela aprende a identificar o que devo morrer e o que deve viver, assumindo por si só a responsabilidade da sua própria vida. Amadurecer. É necessário assumir alguns riscos, pois é através deste processo que ela aguça seus poderes intuitivos.
A mãe-boa-demais é aquela que passou dos limites do cuidado, por uma super proteção ela começa a impedir que a mulher cresça. Mas também é válido se questionar se você não tem sido a mãe-boa-demais para outros adultos, impedindo que você e eles amadureçam por completo.

2ª tarefa: Denunciar a natureza sombria
Uma vez que a mãe-boa-demais morreu, a mulher precisa aprender a ser ela mesma, aceitando as suas partes boas e as não tão boas assim.  Ela precisa descobrir que ser boazinha não lhe faz bem e que ser apenas gentil e simpática não faz a vida fluir. É necessário que ela confronte a dura realidade para que seja possível a "virada de chave" na qual a sua vida precisa.
Diante da diversidade ela aprende que "a recompensa de ser boazinha, em circunstâncias repressoras, é a de ser mais maltratada."

3ª tarefa: Navegar nas trevas
Navegar nas trevas é permitir adentrar na floresta da vida confiando na sua intuição, na intuição que te acompanha e está a seu serviço. No entanto, a intuição é como os seres humanos, precisa ser alimentada, caso contrário ela definha. A intuição se alimenta de duas maneiras: 1. quando nós damos atenção a ela e 2. quando agimos de acordo com as suas instruções.

4ª tarefa: Enfrentar a Megera Selvagem
Se não bastasse adentrar as trevas, é necessário suportar olhar para o rosto deformado da megera, tomando um pouco dos seus valores e nos tornando um pouco estranhas também. É nesse momento que desaprendemos a sermos boas demais. As mulheres boazinhas, "embora pudessem sorrir gentis durante o dia, à noite rangiam os dentes como bestas - era a Yaga na sua psique lutando para se expressar".
Até então, estávamos presas em um "excesso de normalidade" que vai nos sugando para um vida rotineira e sem vida, o que faz com que a intuição não seja utilizada e logo ela definha.

5ª tarefa: Servir o não racional
No conto, a lavagem da roupa é a primeira tarefa que Baba Yaga pede a Vasalisa em troca da luz que ela deseja. O ato de "lavar alguma coisa é um ritual de purificação atemporal". E ele não representa apenas a purificação, ele vai além, representando também a impregnação de uma força. E Vasalisa, apesar de preocupada se daria conta, aceita as exigências sem se questionar, pois a luz que ela deseja é vital, vale o esforço. Podemos pensar nesta etapa em conseguir passar pelo processo com a força necessária para não desistir e sem nos lamentarmos.
Logo em seguida, ela precisa limpar o casebre e o quintal. Podemos observar esse trecho como a limpeza e organização do nosso ambiente de trabalho. Precisamos deixar tudo organizado para começarmos a tirar os nossos planos do mental, passando para o papel e em seguida conseguirmos executá-lo. Um exemplo dessa limpeza de ambiente é a própria psicanálise.
Às vezes, as mulheres se confundem quanto ao trabalho interior da alma e deixam de cuidar da sua arquitetura até que ela seja retomada pela floresta. Aos poucos, o mato vai crescendo e finalmente o local se transforma em uma ruína arqueológica escondida na psique. A varredura cíclica evitará que isso ocorra. Quando a mulher dispõe de espaço livre, a natureza selvagem viceja melhor.
No entanto, servir o não racional é manter o fogo interno aceso. Esse fogo que provoca o cozimento das ideias significativas da mulher e lhe servem de alimento. "Qualquer coisa que façamos que tenha fogo irá agradar à Mãe Selvagem e manter todas nós nutridas".

6ª tarefa: Separar isso daquilo
"Baba Yaga não está só pedindo que Vasalisa separe isso daquilo, que aprenda a diferença entre coisas de natureza semelhante - como, por exemplo, o amor verdadeiro do falso, ou a vida revigorante da vida desperdiçada -, mas está pedindo também que Vasalisa distinga um medicamento do outro."

7ª tarefa: Perguntar sobre os mistérios
Na 7ª tarefa aprendemos que devemos respeitar o nosso tempo e os nossos ciclos. "À medida que passa por eles, ela compreende cada vez mais esses ritmos femininos interiores". A compreensão virá à medida que houver o amadurecimento apropriado para isso. Não fazer nenhuma pergunta é arriscado, mas perguntar demais também é.

8ª tarefa: De pé nas quatro patas
Quando a mulher chega a esse ponto ela já conseguiu deixar a ingenuidade e a inocência para trás, a mãe-boa-demais não lhe protege mais, ela aprendeu a lidar com as diversidades da vida com força e sem lamentações. Agora ela vê a vida através deste novo enfoque.

9ª tarefa: Reformular a sombra
Quando Vasalisa finaliza a 8ª tarefa ela está pronta para finalizar a sua iniciação, é o momento em que ela se torna mulher e pode deixar morrer o que precisa morrer. "Ela já pode usar à vontade sua visão, audição, olfato e gosto, e é dona do seu próprio Self". 
No entanto, agora que ela está em posse dos seus poderes, tudo que ela ver e sentir é necessário que ela faça o que deve ser feito a respeito. O que é visto não pode ser desvisto. A partir de então se torna também necessário um cuidado mais que especial com as pessoas que a rodeiam, principalmente os mestres que escolhe, para que ela possa viver plenamente com os "seus poderes", caso contrário ela irá definhar e voltará para a normalidade.

Agora, de posse da intuição completa, não é mais necessário fazer escolhas conforme o menu, é possível pensar um pouco mais e fazer a pergunta para a alma: "estou com fome de quê?"


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